sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sai da prancheta o carro a vento criado por empresário “hippie”


Em abril, escrevi sobre um projeto de carro eólico. Hoje, ele foi finalizado e tem nome: Nemesis. Veja filmes da caranga.

Enquanto fabricantes de automóveis fazem o que podem para manter suas rodas girando, um grupo de cientistas acaba de quebrar um recorde com seu carro movido a vento (só para deixar claro, o vento apenas recarrega a bateria do motor elétrico). O Green Bird, como foi batizado por seus criadores, bateu na casa dos 200 quilômetros por hora, a marca mais veloz do mundo para esse tipo de veículo.

Apesar do feito, é difícil imaginar qualquer outro uso para o Green Bird que não seja quebrar recordes de velocidade em desertos do planeta. O design da máquina e sua total falta de praticidade não apelariam muito (para ser educado) ao consumidor.

Mas enganam-se aqueles que pensam que o “carro a vento” não pode se tornar atrativo e viável do ponto de vista mercadológico. O desafio de projetar um automóvel que seja ao mesmo tempo bonito, veloz e ecologicamente sustentável, com emissão zero de carbono, foi lançado pela própria empresa patrocinadora do Green Bird, a britânica especializada em energia eólica Ecotricity.


Para isso, Dale Vince, fundador da companhia, juntou um super-time de engenheiros, que já construíram carros como o McLaren F1, o Lotus Elan e o Corvette 2R1. Se tudo correr de acordo com o planejado, o primeiro teste oficial do carro ecológico de Vince será no fim deste mês. “Automóveis elétricos são um grande passo para combater o aquecimento global. Mas um carro eólico é a última palavra em sustentabilidade. A emissão de carbono é zero e o vento é um dos poucos recursos que nunca vão se esgotar”, justifica Vince.


Velocidade não só nas pistas

Se o carrão ecológico de Dale Vince será rápido nas pistas - de acordo com os projetistas, a máquina fará de 0 a 100 em quatro segundos e alcançará até 240 km/h -, as coisas já estão voando na execução do projeto. Tanto, que até mesmo o editor de meio-ambiente do influente jornal The Guardian, John Vidal, ficou impressionado. “Em apenas alguns meses ele conseguiu o que as maiores montadoras não coseguiram”, declara.

O gerente do projeto, Ian Doble, concorda. ” Se fôssemos a Ford, o projeto levaria anos para ficar pronto, consumindo milhões de libras em investimento. Nós mantemos as coisas pequenas e temos agilidade para tomar decisões “, disse ao The Guardian.

Um hippie na estrada

Dale Vince é hoje um dos empresários mais bem sucedidos no ramo de negócios verdes. Durante os anos 90, pesquisou novas maneiras para construir uma vida sustentável. Naquela época, vivia em um veículo militar que antes fora do exército. Um catavento no teto do carro supria sua “casa” com eletricidade. “Eu era o que a mídia chamaria de viajante new-age”, explica.

Apaixonado por velocidade, decidiu investir no projeto de um carro eólico para que a sustentabilidade não signifique sacrifício. O que ele quer mesmo é continuar acelerando por aí sem que, para isso, seja necessário poluir.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Estamos perdendo a chance de mudar o paradigma da política habitacional

Foto: Vinicius Camargo

Ela é uma das maiores autoridades mundiais em moradia. Tanto que se tornou relatora especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas (ONU). Sem meias palavras, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista da Universidade de São Paulo (USP), condena a política habitacional do governo Lula. Para ela, o Ministério das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma esquizofrênica e só pensa em resultados rápidos e quantitativos. A qualidade, como no plano Minha Casa Minha Vida, foi totalmente descartada. “Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violência e sem acesso ao trabalho e à educação”. A alternativa que ela defende é a criação de um modelo de gestão democrática para além dos requisitos formais. O objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.
Leia a seguir a entrevista que Raquel Rolnik concedeu ao Mercado Ético em seu laboratório na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Mercado Ético – A senhora deixou o governo por causa de uma política habitacional que chamou de esquizofrênica. Isso melhorou ou piorou desde sua saída?

Raquel Rolnik - Piorou muito. O Ministério das Cidades não caminhou para uma participação democrática, política e popular. O que cresceu foi o pragmatismo de resultados rápidos. Por um lado isso é bom, porque é muito importante ver resultados concretos nessa área. Mas isso não pode vir em detrimento à constituição de um novo modelo de desenvolvimento urbano. Acabamos por ter mais do mesmo.

A grande questão é o enfrentamento e a ruptura do paradigma e do modelo de desenvolvimento, que são excludentes e reproduzem a concentração de renda e poder. Também corresponde a uma concentração de processos decisórios. Toda trajetória de desenvolvimento urbano visa construir a possibilidade da gestão democrática. E uma democracia para além dos requisitos formais, cujo objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.


Um dos pilares do movimento de reforma urbana no Brasil é a ampliação da participação direta do povo nos processos decisórios. Isso pode ser feito por meio de conselhos, conferências e processos de pactuação na esfera pública. A discussão toda é incorporar todos de forma organizada e descentralizada.

ME – Como se faz isso?

RR - Existem mil maneiras. Dá para usar ferramentas inovadoras, como a internet. Também dá para desenvolver campanhas públicas de esclarecimento. Mas os processos decisórios dentro das cidades são muito restritos a um circuito onde apenas um setor da sociedade está permanentemente preparado para fazer uma interlocução. Por exemplo, na área de desenvolvimento urbano, o setor empresarial que fornece bens e serviços para a gestão pública, assim como o setor de incorporação e construção imobiliária, onde os negócios dependem muito das decisões políticas, tem fortíssima interlocução com o poder público. É algo permanente. Então, eles acabam tendo um poder e um peso nas decisões muito grande. Isso desequilibra o peso que o cidadão comum, que é morador da cidade e também tem sua vida dependente das decisões da política pública.

ME – A política brasileira é marcada por um populismo, em que é comum trocar “serviços” por votos. A senhora acredita que o mesmo ocorre no plano habitacional Minha Casa Minha Vida?

RR - Minha Casa Minha Vida tem outra natureza. É um programa que exerce uma função fundamental do Estado, que é subsidiar quem não tem acesso via mercado a um bem. Acho que os elementos mais complicados no pacote não são o de ter um resultado eleitoral, mas é o problema como ele se relaciona com a questão urbana como um todo. Se todo investimento para a baixa renda for considerado populismo, não vai haver mais nada para os pobres.

ME – Uma das grandes questões relacionadas ao Minha Casa Minha Vida é a qualidade das moradias. O governo vai construir casa boa para a população mais pobre?

RR - A primeira consideração que temos que fazer é definir o que é casa boa. Então, acho melhor definir isso como moradia adequada. O que é isso? Não é só a casa com parede, teto, banheiro com azulejo. A moradia adequada é um lugar a partir do qual o cidadão passa a ter satisfeitas as necessidades básicas e fundamentais de subsistência nas cidades com dignidade. Então, isso significa estar em um lugar que permita ter espaço público, lazer, escola, saúde, empregos e, também, que permita andar livremente e com segurança. A grande preocupação é a dimensão urbana do plano. No Minha Casa Minha Vida, essa dimensão é inexistente. É um aspecto simplesmente não trabalhado no sistema. E pode ser trabalhado. Deve ser trabalhado. Casa não é só o teto ou o produto em si.

ME – Há a possibilidade de que esse plano seja um tiro pela culatra e cause mais danos do que benefícios para as pessoas?

RR
- A crítica não é no sentido de que o pacote vai piorar. Se uma pessoa que não tem casa e passa a ter uma, lógico que ela vai melhorar de vida. Mas com esse mesmo recurso, com essa mesma disposição e priorização, mas com outro componente e outra estratégia agregada, poderia haver mudanças muito significativas, que não ocorrerão. Corremos o risco de reproduzir o modelo já existente. Na época do BNH, foram construídas 1,5 milhão de moradias populares, como por exemplo, Cidade Tiradentes, Cidade de Deus. São guetos de não-cidades. De pobre com pobre. Tinham vários elementos possíveis, como trabalhar com empreendimentos com mistura de renda. O empreendedor poderia construir prédios com partes voltadas para diferentes rendas, mas dentro do mesmo lugar.

ME – Ainda dá tempo de modificar o programa?

RR
- Acho que sim. Até porque não é fácil colocar o programa para andar. Tudo mostra que a parte que contempla a faixa da população de 0 a 3 (salários mínimos) está muito difícil. Não estão aparecendo projetos. Em primeiro lugar, a medida provisória que criou o programa (MP 459), está sendo debatida no Congresso. O Congresso Nacional não serve só para aprovar ou não. Serve também para aperfeiçoar. Também na própria discussão do programa, o governo pode mudar de rumo.

ME – A senhora diz que há ainda poucos projetos destinados para a faixa de 0 a 3 salários-mínimos. Mas é aí que está o maior déficit habitacional.

RR – A maior parte da demanda está aí mesmo. Em segundo lugar vem de 3 a 5, que provavelmente vai conseguir entrar no programa por conta do subsídio. Mas o problema maior é o de 0 a 3, que são as pessoas que estão nas favelas, nas ruas, quem não têm renda. É muito complicado. Com um modelo único como esse, que é o modelo da casa própria, é muito difícil viabilizar que alguém com renda zero seja proprietária de um bem de 50 mil reais.

ME – E com relação ao ponto de vista do Minha Casa Minha Vida como forma de combate à crise?


RR
– É uma solução tipicamente keynesiana. Ferramentas como essa já foram utilizadas na história, nos anos 30, no Plano Marshall, na reconstrução européia depois da guerra. De fato, investimentos públicos concentrados dinamizam a economia e me parece que, desse ponto de vista, o pacote, se conseguir construir as moradias nesses valores e nessa rapidez, vai ter um efeito anticíclico.

ME – As vendas de materiais de construção aumentaram em 25% depois do anúncio do plano. Esse já é um sinal?

RR – O que isso significa no Brasil? É a autoconstrução. É o cara que vai comprar o saco de cimento para melhorar a casa que ele mesmo construiu. É engraçado que a política pública não intervenha nesse processo, viabilizando terra urbanizada e bem localizada. Também poderia viabilizar assistência técnica para que esse monte de arquitetos e engenheiros soltos por aí possa trabalhar com os auto-construtores e, assim, ajudar a fazer projetos e orientar nas construções. O produto individual e o bairro serão de alta qualidade. Ao invés disso, inventa-se o processo da construtora, que não necessariamente vai chegar na mão de quem mais precisa.

O próprio processo de autoconstrução dinamizaria o mercado. Se de um lado não daria emprego para muitos pedreiros, essas moradias demandariam mais materiais de construção, que é uma indústria que gera muito emprego. Além do mais, esse processo também mobiliza um trabalho especializado: ou é um eletricista ou um trabalho hidráulico. Sempre gera emprego. Mas é um outro emprego. São pequenos empreiteiros e pequenos construtores. A reforma de imóveis é outro campo que também foi completamente ignorada.

ME – Há um déficit habitacional de cerca de 7 milhões de imóveis no Brasil. Mas há 6,5 milhões de moradias vazias. É realmente necessário construir um milhão de casas?

RR - Essa é uma grande questão. Claro que essa conta não é matemática pura. O que há é uma sobreoferta para o mercado de classe média e alta e uma infraoferta para a baixa renda. Mas por que não trabalhar a reforma de um imóvel construído, reabilitando-o para a faixa de baixa renda? Principalmente nas áreas centrais, que já estão prontas e já têm água, esgoto, parque, escola, emprego e que estão vazias. Só na capital de São Paulo, o déficit é calculado em 200 mil moradias, mas há 400 mil unidades vazias.
Para que parte dessas unidades possa entrar novamente no mercado é preciso uma política pública capaz de fazer isso.

ME – Há 34 bilhões de reais destinados para o Minha Casa Minha Vida. Nunca houve tanto dinheiro assim para projetos de moradia popular. Como é que fica essa relação de déficit habitacional, investimento público e o mercado, que representam interesses diferentes?

RR
- Primeiramente, a motivação principal do pacote é a anticíclica. O déficit habitacional vem como segunda questão. É uma injeção de dinheiro, que levanta até mesmo a questão da sustentabilidade do projeto. A hora que você disponibiliza 34 bilhões para a construção, sem nenhuma intervenção em termos urbanísticos e fundiários, o que acontece e já está acontecendo é um aumento enorme no preço dos terrenos. O que eu tenho apontado é que muito provavelmente o subsídio vai parar no bolso do proprietário do terreno. Eu dou dois ou três meses para os empresários dizerem que não está dando mais para fazer casas de 60 e 70 mil (reais). Agora eles já estão dizendo que não dá para fazer de 50 mil. E não é porque a casa custa 50 mil reais. É porque a terra custa isso. Quer dizer que o nosso dinheiro foi diretamente para o bolso dos proprietários do terreno.

ME – Corre-se o risco de acontecer no Brasil algo como houve no mercado imobiliário americano?


RR - É um pouco diferente, porque a crise nos Estados Unidos foi causada somente por causa do crédito. No caso brasileiro, há o subsídio. Então haverá uma pressão nesse elemento. Quanto mais subsídio tiver, menos população vai ser atendida. E não é por conta de inadimplência, porque 50 reais dá para pagar. Mas será inviável produzir essas moradias.

ME – A senhora diz que dar ou financiar casa não é a única forma de resolver o déficit habitacional. No Reino Unido, por exemplo, o governo aluga ou oferece gratuitamente casas para a população de baixa renda. Esse modelo poderia funcionar no Brasil?

RR – Claro. As políticas de subsídio ao aluguel poderiam, inclusive, mobilizar o estoque construído. Se uma família não pode pagar o aluguel de 500 reais, mas pode pagar 100 ou 200, receberia um auxílio adicional. A gente tem que entender que direto á moradia não é sinônimo de casa própria. A propriedade e o programa de construção da casa própria são uma modalidade. Mas não são a totalidade. Existem muitas alternativas que, mesmo com menos recursos, poderiam garantir direito à moradia para mais gente. Enfrenta também a questão complicada de uma pessoa com renda de 300 reais mensais ter um bem de 50 mil reais. O que acontece? É obvio que se ela passar por qualquer problema e precisar de dinheiro vai vender o imóvel. Não sou contra isso. Mas ela vai ficar sem casa e sem alternativa.

ME – Ainda com relação ao Reino Unido, o governo iniciou uma caçada aos “ladrões de benefícios”, que são, por exemplo, pessoas que ganharam o direito à moradia gratuita ou subsidiada sem que realmente necessitem dele. Como ficaria essa situação no país em que tudo se resolve com o jeitinho?

RR
- Iria acontecer a mesma coisa. Tem malandragem em tudo. No Minha Casa Minha Vida também. Você pega a casa, muda-se para a casa da namorada e vende o bem pelo dobro (do preço). Existem mil maneiras de desenvolver isso. Mas não acho que malandragem desclassifica o projeto e nem que não exista malandragem em nenhuma política pública. A grande questão é a transparência e controle social. Quanto mais a sociedade estiver organizada para acompanhar isso, menos malandragem vai acontecer.

ME – Até antes dessa crise global, o Brasil vivia uma época de razoável crescimento econômico. Tudo leva a crer que quando a Europa e os Estados Unidos resolverem seus problemas, o país vai voltar a crescer. A questão da moradia pode ser resolvida com o crescimento econômico?

RR
- Hoje o que prevalece é uma idéia desenvolvimentista. Mas acho que o Planeta está vivendo uma crise séria. Acho que essa crise financeira não é só ela. Estamos vivendo uma crise civilizatória, no modelo de ocupação dos territórios, que se revelam na questão no aquecimento global e da crise da alimentação. É uma situação de limite que exige um novo modelo.

ME – As grandes cidades estão no centro da questão do aquecimento global. Como resolver isso?


RR - Acabar com a mobilidade sob pneus imediatamente, que consome energia e é a pior emissora de gás de efeito estufa. Tem que mudar a matriz de mobilidade e também construir cidades mais compactas. Por exemplo, Nova York e Los Angeles. Los Angeles é extensíssima e Nova York é compacta, mesmo tendo o mesmo número de habitantes. Para mim, parece que o modelo de Nova York é muito mais sustentável.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O verdadeiro nó está no crescimento


Foto: Leticia Freire

A questão do crescimento econômico é o principal ponto de tudo o que envolve a sustentabilidade. Essa é a opinião de Giovanni Barontini, doutor em Direito Internacional Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Florença e sócio da Fábrica Éthica Brasil, uma consultoria em Sustentabilidade. Ele afirma que pouco importa uma empresa cortar 30% ou 40% de suas emissões se, na verdade, seus planos são de crescimento e, portanto, de maior poluição.

Barontini acredita que as ferramentas para aferir a sustentabilidade, como indicadores e protocolos, são importantes, mas não tão significativas quanto a mudança de mentalidade da população e das corporações. “As pessoas querem salvar o Planeta, mas ainda não descobriram que elas são o Planeta”, diz.

Leia abaixo a entrevista exclusiva de Giovanni Barontini para o Mercado Ético.

Mercado Ético - A sua atuação leva em conta níveis estratégicos na corporação. Como incorporar sustentabilidade como meta?

Giovanni Barontini - Em primeiro lugar, eu não sei se sustentabilidade deveria ser uma meta ou, muito mais, uma atitude ou filosofia permeando todos os níveis da organização. Quando falamos em metas sustentáveis, existem vários impedimentos, que vão desde a melhoria dos impactos sociais e ambientais - daquilo que diz respeito aos processos, operações, serviços e produtos - até a outra ponta, que, ao meu modo de ver, nenhuma empresa no Brasil e pouquíssimas no mundo estão tratando, que é o verdadeiro nó da sustentabilidade: o crescimento.

Independente de como se consegue diminuir o impacto socioambiental, tem que se perguntar como isso dialoga com a questão do crescimento. Se uma empresa diminuir esse impacto em 30% ou 40% mas planejar duplicar ou triplicar a produção, obviamente para o planeta e para a sociedade os resultados finais serão muito mais nocivos. Quando a gente fala em meta, o que tento passar para as empresas é o seguinte: a primeira coisa é entender qual é a noção ou acepção que vamos adotar nesse tema. Se estamos falando de sustentabilidade como forma de gestão, modelo de negócio, como filosofia, necessariamente é preciso considerar a questão do crescimento - ou então vamos falar de sustentabilidade como está sendo tratada hoje, de forma banalizada. Qualquer ação, maior ou menor, seja no âmago do negócio ou na periferia, é qualificada de sustentabilidade e é jogada dentro de um grande caldeirão, onde entra filantropia, marketing social, investimento social privado. Na verdade, tudo fica meio homogeneizado e perdemos um pouco o fio da meada.

Mercado Ético - E o que seria sustentabilidade para uma empresa?

Giovanni Barontini - A meu modo de ver é algo que tem que estar se referindo necessariamente à questão do crescimento. É começar a se perguntar como podemos reestruturar essa sociedade capitalista, de consumo, sobre a essencialidade dos produtos. Por exemplo, estou produzindo determinados bens, mas será que são realmente necessários? Será que o cidadão precisa disso? Será que no futuro, com um consumidor mais esclarecido e mais consciente, esse tipo de bem continuará a ter valor? É uma discussão muito de futuro, mas também voltada para o presente para analisar como podemos reconstruir essa sociedade e qual o papel de minha empresa nesse contexto.

Mercado Ético - Um dos palestrantes da Conferência Ethos deste ano ressaltou o interesse do empresário pelo lucro, mesmo que esteja envolvido em atividades ditas sustentáveis. Existe algum outro apelo para o empresário que não seja o de ganhar cada vez mais?

Giovanni Barontini
- Acho que sim. Tudo depende de quem é esse empresário. Quando falamos de empresa, referimo-nos a um leque muito amplo, que abrange as companhias de capital aberto, que têm muitos acionistas anônimos, quase sempre exigindo resultados financeiros de curtíssimo prazo, até aquelas empresas que têm uma conotação familiar, que têm um dono, muitas vezes mais preocupado e sensibilizado com determinadas questões.

Acho difícil generalizar, mas vejo que a atividade empresarial não tem como único fim gerar lucro. O lucro é muito mais um instrumento para que a empresa possa cumprir determinadas funções sociais, entre as quais também remunerar seus acionistas e seus donos. Mas, em geral, acho que essa visão de que o empresário só visa o lucro é bem ultrapassada. É uma visão, que, na verdade, tem sua base em um equívoco de usar todas as métricas de avaliação do sucesso em nível macro, como o PIB dos países, até chegar às empresas mesmo, onde você pode medir o sucesso de acordo com base na receita operacional, nos lucros.

Quando você traz outros indicadores de bem-estar, qualidade de vida, satisfação e, em última análise, a felicidade - inclusive a dos próprios donos - você vê que muitas vezes esse sucesso não traz esses outros valores agregados. Então qual é o indicador que estamos usando? Qual é a métrica? Se basearmos esses medidores somente na geração de receita e lucros, vamos ver que, de certa forma, não estamos descrevendo a realidade como ela é. É uma realidade feita também de seres humanos com suas realizações e frustrações.

ME - Com relação à política corporativa, você acha que ela pode influenciar o comportamento dos funcionários?

GB - No processo de transformação de uma empresa, existe uma dimensão que é a da cultura organizacional. Como é que esse grupo de pessoas vive, quais são os valores de referência para suas atitudes, comportamentos etc. Eu estou cada vez mais convencido de que a pessoa jurídica, a empresa, é uma ficção. Ela não existe. O que existe de verdade é uma somatória de pessoas físicas, que são aquelas que realmente estão lá, de alguma forma definindo esse ser: a empresa.

Então é certamente importante que, ao lado da expansão do processo de consciência dos indivíduos, haja esse processo de transformação da consciência e cultura organizacional. De fato certas atitudes, posturas, metas comecem a ser rediscutidas e, aos poucos, comecem a ser readaptadas a um contexto diferente, que hoje clama por questões mais sustentáveis, por uma ética na questão dos negócios.

ME - Hoje se discute muito as metas de emissão de carbono que devem ser estabelecida em Copenhagen. Sustentabilidade só pode ser alcançada no longo prazo?

GB - Acho que não. Essa é uma grande ilusão da experiência humana, que divide o tempo em passado, presente e futuro. Na verdade, as únicas chances que temos de mudança estão no presente. Porque presente é o único tempo em que a gente realmente vive. Por exemplo, quando temos alguma expectativa do futuro, estamos tendo isso agora. Assim como fazemos uma avaliação do passado. Fazemos isso no presente. Sustentabilidade somente existe no presente, porque esse é o único tempo a nossa disposição.

ME - Mas existem metas para se alcançar no futuro, não é?

GB - Claro. Mas o fato é que muitas vezes as metas são utilizadas de uma forma pouco ideologicamente honesta de procrastinar a tomada de atitude. Como eu sei que tem umas metas lá na frente para serem alcançadas e não podem ser feitas agora, isso, de alguma forma, me dá um sentimento de inércia e eu não faço nada. É tão enorme essa tarefa de construir um outro tipo de sociedade, que eu acho que não tenho condição de fazer isso agora. O equívoco é esse. Uma caminhada de mil quilômetros começa com o primeiro passo. Se esse primeiro passo não é dado no presente, não haverá nenhum futuro diferente do lugar que já estamos indo.

ME - Você acredita que estamos dando esse primeiro passo?

GB - Acho que muitas coisas estão acontecendo. Mas me parece que o nível de consciência coletiva não está ainda preparado. E muito mais do lado dos ambientalistas, dos praticantes de sustentabilidade, do que do lado das empresas.

ME - Como assim?


GB - Hoje tem o ambientalista que quer salvar o planeta. Ele continua a reproduzir exatamente a mesma separação e a mesma fragmentação, que está na base da insustentabilidade da sociedade. Ele diz que quer salvar o planeta separado de mim. Eu posso destruí-lo ou salvá-lo. Mas certamente eu não atingi o entendimento de que eu sou o planeta. Então, certamente, a sustentabilidade começa aqui comigo, nesse momento. Não há outro tempo possível para agir. Então, infelizmente, você vê que tanto as empresas de um lado quanto o próprio movimento da responsabilidade social, continuam ambos dialogando em um contexto muito de visão dual, em que se vêem separados. Ainda não compreenderam que só se trouxerem o planeta como parte integrante do meu ser é que eu vou poder de fato transformar alguma coisa.

ME - Você acredita no real poder dos consumidores em exigir mudanças das companhias?

GB - Na sociedade da comunicação, como está organizada hoje, o consumidor não tem acesso às informações fundamentais que lhe permitiriam agir e influenciar. Por exemplo, eu, que, como bom italiano, sou consumidor de massa. Sempre comprei determinada marca já na Itália e que também existe no Brasil. Descobri em um livro, que essa marca, do ponto de vista acionário, está nas mãos de uma fabricante de armas. Então, se o consumidor tivesse nos rótulos a informação de uma massa de quem está por trás dela, quem é, na verdade, esse grupo que está oferecendo esse alimento, dependeria somente dele tomar a decisão de comprar ou não. O consumidor não tem esse poder porque, na nossa sociedade, ele não está informado. Mas se ele estivesse e fosse colocado na posição de optar de forma consciente, aí sim, poderia influenciar.

ME - Os trabalhos que você desenvolve são baseados no Sistema Operacional Integral. Como colocar as idéias de Ken Wilber na vida real?

GB - As idéias do Ken Wilber são muito reais. Na verdade ele oferece um mapa para gente enfrentar todos esses dilemas que a gente tem na vida concreta. Tanto que ele não é um filósofo desses mais cheios de teorias abstratas. Ele se preocupa em dar esse fundamento prático.

A idéia é que para a gente transformar a realidade precisamos agir no interior do indivíduo, ou seja, nos seus valores, na sua visão de mundo, na conduta, tanto como funcionários de uma empresa, donos de negócios ou cidadãos; no interior do coletivo, que é a cultura organizacional das empresas, e no exterior coletivo, que abrange mais ferramentas como indicadores e protocolos.

Essa última, já começamos a fazer, porque é a mais fácil. É muito fácil para uma empresa criar um código de conduta, que é um instrumento. Mas é muito mais difícil você sensibilizar sobre os valores e as consciências das pessoas que precisam usar esse código de ética.

ME - As pessoas acabam virando robôs?

GB - Exato. Eventualmente eles podem implementar um código de ética porque alguém mandou a instrução para fazer isso. Mas não vai funcionar se, de fato, elas não forem sensibilizadas na consciência.
Então, a idéia de Ken Wilber é mais ou menos essa. Não vai surtir efeito verdadeiro na área da sustentabilidade se a gente se obstinar a trabalhar somente nesses aspectos de ferramentas, indicadores, protocolos, convenções, códigos de ética e de conduta. Essas são apenas parte das ferramentas que precisamos para, de fato, mudar a realidade em que vivemos.

ME - Além desse quadrante, outro ponto abordado pelo SOI é a espiritualidade. Você acredita que ainda exista espaço para assuntos ligados ao espírito no mundo de hoje?

GB
- Se você me permitir, não há nem como se fazer essa pergunta, porque espiritualidade entendida como nossa capacidade de acessar a divindade que está dentro de nós, é uma experiência que cada indivíduo já faz no seu nível, no seu tempo, na sua cultura. Às vezes faz-se isso atrelado a uma religião. Você faz isso em uma igreja em um templo hebraico, budista. Mas na verdade se perguntar isso é como se perguntar se um empresário tem alma, tem coração, emoções? Óbvio que sim. É um ser humano. O que nós fizemos é fingir que isso simplesmente não existe. É fingir que a gente vive como na ponta do iceberg. È uma bela metáfora do iceberg de Ken O’ Donnel, dizendo que na vida corporativa nos acostumamos a viver na ponta da montanha de gelo. Tudo aquilo que acontece na vida corporativa parece que não deixa espaço ao sentimento, ao pensamento, às aspirações, às pequenas ambições ou frustrações. Tudo isso acontece em um nível subconsciente que quando explode já obviamente decreta conflitos já insolúveis, porque não foram integrados na luz da atuação da empresa.

Então, acho que espiritualidade é uma das chaves para transformamos a realidade. Claro que não aquela espiritualidade abstrata, de nos fecharmos em um mosteiro. É a espiritualidade entendida como uma ascensão para um mundo interior, para um autoconhecimento, que nos ajuda a exercer nosso papel de CEO, diretor de empresa, consumidor, cidadão.

ME - Então, onde estamos e para onde vamos?

GB - Estamos em uma sociedade capitalista, somente focada no ter. Todos os modelos e referências de sucesso, de beleza, de bem-estar são baseados em consensos somente materialistas. Para onde a gente vai é um lugar onde conseguiremos nos apropriar daquilo que é realmente importante na vida, em que possamos ter uma maior simplicidade, que pode significar, na vida real, que precisemos de menos produtos e menos coisas para sermos felizes. Portanto, a própria atividade empresarial, a dinâmica de trabalho será repensada e reestruturada radicalmente.

Existe esse bicho-papão do desemprego. O trabalho é um valor importante, mas ele não pode ser colocado acima de qualquer outro valor. A gente está caminhando para uma sociedade onde as pessoas poderão trabalhar menos e ter mais tempo a disposição para cultivar uma qualidade de vida e outras atividades que não reconhecemos como realmente importante.

Uma pesquisa do Canadá, com empresários em ponto de morte, perguntou o que realmente foi importante na vida deles. As respostas sempre estão relacionadas aos afetos, aos amores, às relações. Muito dificilmente a pessoa lembra essas coisas efêmeras como promoção de gerente júnior para sênior. Todos sabemos o que é realmente importante. Mas parece que existe um véu entre os nossos olhos e a realidade. E o nosso desafio é esse. Temos que derrubar esse véu e reestruturar a sociedade ao nosso redor de uma forma mais saudável. Afinal, acho que sustentabilidade é isso.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

G8 precisa de plano mais ambicioso para mudanças climáticas

Como aponta o “G8 Climate Scorecads”, um estudo realizado pela WWF em parceria com a seguradora Allianz que mostra um “ranking comentado” das ações e planos dos países mais desenvolvidos no combate à mudança climática, a situação presente está acima do pior cenário previsto pelo IPCC e exige ações urgentes agora.

Apesar de alguns países já estarem adotando medidas para reverter o quadro, essas ações ainda não são suficientes para se levar o mundo a uma economia limpa. Para manter o aquecimento global em 2°C acima da média, é preciso que o nível das emissões de gases do efeito estufa comece a cair antes de 2020 e seja reduzido, até 2050, em 80% dos níveis registrados em 1990. “O G8 deve apresentar planos mais ambiciosos. A crise climática é muito mais séria e mais perigosa, porque não é possível alocar uma quantidade enorme de recursos financeiros para modificar o clima, como foi feito na economia. Isso depende de decisão e planejamento de longo prazo”, alerta Karen Suassuna, analista sênior do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil.

O documento aponta três vantagens de um eventual sucesso nas negociações climáticas em Copenhague, que ocorrerá em dezembro: a mudança climática não chegará a um nível catastrófico para o planeta; a implementação da energia sustentável ajudará a combater a crise econômica e, em algumas décadas, fornecerá energia abundante para todos; e o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono evitará o surgimento de milhões de refugiados do clima e possíveis custos com a adaptação aos impactos climáticos.

Nesse sentido, os países mais avançados são respectivamente a Alemanha e o Reino Unido. Suassuna diz que os alemães ficaram em primeiro lugar por contarem com um pacote ambicioso de cortes de emissões e também por já estarem reduzindo-a. Tanto, que as metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto já foram atingidas. O mesmo pode-se dizer dos britânicos. Mas o país ainda é muito dependente dos combustíveis fósseis.

Foram reprovados no teste o Canadá e a Rússia. O primeiro, além de não ter uma meta climática de longo prazo, lança cada vez mais gases de efeito estufa na atmosfera. A Rússia segue o mesmo caminho. Apesar de existirem metas de alto nível por parte do governo, elas ainda precisam ser implementadas. O Japão também pode se tornar uma pedra no sapato. “Além de não atingir as metas estabelecidas em Kyoto, os objetivos do país para 2020 colocam em risco os esforços em manter o aquecimento abaixo dos 2°C”, lamenta Suassuna.

Já os Estados Unidos, mesmo com uma qualificação ruim no “G8 Climate Scorecards” - estão apenas em sétimo lugar -, apresentam um novo e construtivo pacote de política climática. No passado recente, a questão foi completamente ignorada pelo governo Bush, mas entrou na agenda nacional com o projeto de lei Waxman-Markey, como é conhecido o Ato de Energia Limpa e Segurança, em tramitação pelo Congresso, que limita as emissões no país. O problema é que os EUA já estão 20% além do que deveriam, mesmo com avanços significativos na área.

“O grande problema que vemos aqui é a falta de vontade política”, ataca a analista da WWF. “Os países do G8 concordam que o mundo não deve aquecer mais do que 2°C, mas falta seriedade nas metas de redução. Na reunião em Átila (Itália), alguns membros (do G8) tentam culpar os países em desenvolvimento pelo progresso insuficiente. Mas são eles que têm a culpa histórica no aquecimento global”, completa.

O Brasil e o G5

A WWF espera também um comprometimento por parte do G5, grupo que reune Brasil, China, India, México e África do Sul, mas não nas mesmas proporções do G8. E esses países já estão tomando algumas ações nesse sentido.

Karen Suassuna destaca a África do Sul e o México, que apresentam planos concretos para diminuir 30% e 50%, respectivamente, de suas emissões até 2050. A China e a Índia também conam com metas para reduzir o consumo de energia por PIB, o que significaria menores emissões.

A principal contribuição do Brasil vem com a diminuição do desmatamento, a principal fonte emissora do país. Suassuna diz que o problema está no incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética brasileira e da falta de visão de longo prazo na condução de políticas climáticas pelo governo.

Antonio Penteado Mendonça, advogado especialista em planejamento regional para a ocupação do solo, ressaltou três pontos de vista: o pessimista, onde o mundo não faz sua lição de casa e o segue para o pior cenário possível; otimista, que vê a existência de pessoass agindo e se esforçando para alcançar as metas; e o terceiro, no qual o ser-humano é apenas uma força de transformação da natureza. “Se desaparecermos, não haverá a menor importância para o planeta a longo prazo”, afirma.

Para ele, enquanto existirem políticas ambientais para a “torcida ver”, como as presentes no país, não se alcançará meta nenhuma. “É preciso criar atividades que gerem renda para os mais necessitados e, também, que valorizem a floresta em pé”, diz.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A vida com emissão zero (ou quase)


Essa é uma reportagem que fiz em parceria com a Letícia Freire (autora também da foto acima), minha colega e, antes de mais nada, amiga. Temos feito coisas bacanas.

Que o planeta passa por um momento decisivo em sua história, isso todo mundo sabe. O que poucos têm conhecimento - pelo menos aqueles que vivem nos grandes centros - é de que existem possibilidades de viver com menor impacto ambiental. Uma delas é vislumbrada pela permacultura, termo que significa cultura permanente, ou, em outras palavras, sustentável. Para conhecer uma comunidade baseada nesse preceito, decidimos deixar o conforto insustentável da cidade grande para conhecer como é a vida com emissão zero (ou quase) de CO2.

São três horas da tarde de segunda-feira (8/6). Estamos chegando ao IPEMA (Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica), um centro focado em educação de permacultura que fica cravado na Mata Atlântica de Ubatuba, no litoral Norte de São Paulo. Apenas uma pequena estrada onde mal cabem dois carros e com asfalto aparentemente novo ligam a rodovia Rio-Santos à estrada de terra que dá acesso ao nosso destino final.

Percebemos que estamos literalmente no meio da floresta, com árvores nativas abraçando toda a redondeza. Um pequeno rio de águas cristalinas passa à nossa esquerda. Logo adiante, pouco depois da placa que indica o início das terras da ecovila, uma casa de pau-a-pique - técnica de construção em que as paredes são erguidas com madeira, cipó e barro - revela a rusticidade de tudo o que veríamos dali para frente. Depois de mais ou menos quatro horas de estrada, é nítido que o corre-corre de São Paulo ficou para trás.

Procuramos alguém para nos receber. A nossa frente, uma casa de dois andares, feita de madeira. Cercado pelo paisagismo natural da área, no térreo, a casa tem uma cozinha e o refeitório, onde eles (os permacultores) se encontram para diversas atividades. É um espaço comum, onde há música, comida e conversa - digna que uma boa cozinha. No andar de cima, o dormitório ou alojamento, como é “oficialmente” chamado o espaço. Há camas e boas cômodas vazadas. Vamos passar a noite ali.
Espaço em harmonia – Vivência cercada pela exuberância da Mãe Atlântica. Fotos: Leticia Freire
Marcelo Duarte – “Não consigo me imaginar na agitação de uma metrópole novamente. Isso aqui é o que sou.”
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Marcelo Duarte, um engenheiro agrônomo que faz estágio no IPEMA, é quem nos recebe. Marcelo Bueno, o bioarquiteto fundador da ecovila, está em reunião com os funcionários do programa educacional em permacultura. Enquanto isso, Duarte mostra a horta nos fundos da cozinha, onde também está o centro de triagem de material reciclável. Ele fala sobre as bioconstruções erguidas pelos estagiários na propriedade, a captação e reciclagem de água, a produção de energia etc. Mas, talvez o mais importante, o agrônomo nos conta sobre o drama pessoal que muitos enfrentam ao mudar de vida.
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Com e a favor da natureza

Duarte, assim como os outros permacultores, trabalha com um princípio básico que é estar “com” e “a favor da” natureza, e não “contra” ela. Na fala, o engenheiro agrônomo mostra naturalidade. Para ele é importante explicar que os sistemas desenvolvidos são feitos para durar tanto quanto seja possível, com o mínimo de intervenção.

O agrônomo, que, em suas próprias palavras, é bicho-do-mato, fez um caminho tranqüilo até o IPEMA. Mas essa não é a regra. Muitos dos que chegam à ecovila para realizar o curso estão acostumados com certo nível de conforto e de consumo, que está longe da realidade vivida no instituto. Os conflitos pessoais e em grupo começam a aparecer.
Guilherme Miranda – “Difícil é quando me perguntam: e aí, vai fazer o quê da vida? Como assim?! Eu estou fazendo! A mudança assusta demais as pessoas.”
Guilherme Miranda, designer gráfico e também estagiário, começou a questionar sua intervenção no mundo. Decidido a mudar de vida, ele abriu mão da estabilidade do trabalho e do conforto da vida que levava no Rio de Janeiro. Ele acredita que é hora de quebrar os paradigmas da vida pós-moderna ligados ao consumo. Com voz pausada e tranqüila, Miranda, hoje, questiona a forma como a sociedade vive e se relaciona. Para ele, uma questão chave é que a população não tem noção do que entra e sai de suas casas. “Hoje, quando vou ao supermercado, não vejo comida nas prateleiras, apenas propaganda, plástico, metal e muita energia desperdiçada”, conta ele. Assim que acabar seu estágio, não pretende voltar para o Rio. Seu objetivo é se integrar a alguma ecovila do país ajudando a divulgar o conceito da permacultura para outras pessoas e comunidades.

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Uma decisão difícil
Marcelo Bueno – “Tem gente que acha que é fácil viver em uma ecovila. Não é. Toda relação humana é complexa e trabalhar a auto-sustentabilidade em grupo é um desafio que exige dedicação e disposição. A visão que se tem da coisa ainda é muito romantizada.”
Mas não é todo mundo que segue o mesmo pensamento de Monteverde. Marcelo Bueno, o bio-arquiteto fundador da ecovila, conta que há ainda muito romantismo com relação à permacultura. A adaptação é difícil. Conflitos são inevitáveis.
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Segundo Bueno, as “brigas” fazem parte do processo de aprendizado. No começo, quando tudo é novidade, todos ficam bem. Os problemas vão surgindo quando se vive junto por um tempo mais longo. Mas a própria convivência faz com que as diferenças sejam equalizadas e o relacionamento torna-se mais consistente quando cada um passa a entender melhor as necessidades do grupo. O indivíduo volta ao coletivo e o coletivo, ao ecossistema. Inicia-se um ciclo produtivo harmonioso, onde o “eu” está em sintonia com o “nosso”.

Aparentemente, chegamos ao IPEMA com o pessoal já nesse último estágio. Tanto que o grupo prepara agora uma festa de aniversário para um dos funcionários do local. A reunião não vai ser no local de trabalho, mas sim na casa de duas ex-estagiárias, que agora desenvolvem projetos com a equipe da ecovila.

Festa, agrofloresta e uma tal de Jussara

Por volta das seis da tarde, uma das estagiárias nos guia até a festa. O dia está escurecendo, mas ainda há luz o suficiente para ver o caminho das pedras e cruzar o riozinho em segurança. Esse é um atalho, que encurta a jornada em aproximadamente 10 minutos.

Somos uns dos primeiros a chegar. Mas logo outra turma mostra a cara. Trazem cerveja, servem cachaça orgânica e decidem preparar um bolo de fubá e jussara. Era a primeira vez que ouvíamos falar da tal fruta que, como descobrimos mais tarde, é a atração principal do IPEMA. A jussara tem aparência e sabor semelhantes ao açaí. Assim como o primo, vem de uma palmeira que, até então, era usada apenas para se extrair o palmito.
Menina dos olhos - Fontes de renda mais sustentáveis para a população local começam a ser trabalhada com ajuda da equipe do IPEMA. A jussara, fruta do palmiteiro, que tem sabor e qualidades nutricionais compatíveis ao açaí, é hoje a menina dos olhos da comunidade. A extração do palmito deixou de ser interessante.
A atividade quase dizimou as palmeiras da região. O que antes era farto, agora é raro. Quando a comunidade local descobriu que era possível viver da cultura do fruto da árvore, a situação começou a mudar. A palmeira derrubada, que é o fim de toda a extração do palmito, deixou de ser interessante. A polpa da fruta rende muito mais em termos monetários e a árvore intacta oferece o produto todos os anos sem cobrar nada por isso.
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Para ter uma idéia, uma palmeira adulta, de aproximadamente sete anos de idade, com até 20 metros de altura, rende um palmito de 80 centímetros, grande o suficiente para dois vidros do produto. Vale algo em torno de R$ 1,25 real no mercado negro. A mesma árvore rende 15 vezes mais com a extração da jussara. Essas coisas, enfatiza Marcelo Duarte, não se aprendem nas universidades.

Algumas horas depois, o bolo finalmente fica pronto. O aroma é convidativo. “Parabéns a Você” e o aniversariante começa a servir os convidados.

Desculpem-nos o lugar-comum, mas que delícia de bolo!

Recursos renováveis

A escuridão toma conta da floresta. Não é para menos, já são 10 e meia da noite, e desde as seis e trinta não se vê muito sem a ajuda de lâmpadas e lanternas. Tomamos o rumo do alojamento. Achamos melhor não arriscar pelo rio e pegamos o caminho mais longo, porém mais seguro há essas horas.

De longe, dá para ver uma luz acesa. Vem da casa onde fica o refeitório e o alojamento. Estranhamos. Não seria aquilo um desperdício de energia, péssimo exemplo de uma comunidade que prega a sustentabilidade?

Abordamos o assunto com Guilherme Vieira. Ele explica que o IPEMA conta com dois sistemas de geração elétrica. O mais antigo vem de painéis solares, que não é muito eficiente na região. Chuvas constantes e até mesmo a sombra das árvores impedem que as placas fotovoltáicas trabalhem em sua capacidade máxima.

Mas existe outro recurso abundante na região, esse sim capaz de gerar três vezes mais eletricidade do que se gasta no local: a água. Por meio de uma mini-hidrelétrica, o IPEMA só fica sabendo de colapsos no sistema de distribuição de energia quando alguém leva a notícia ao centro. Com ela, é possível manter aquela luz acesa a noite toda - como um ponto de referência para os estagiários que circulam pelo lugar durante a noite - e abastecer todo o escritório, que conta com computadores, telefone, conexão à internet e data-show.
Energia hidrelétrica – Em meio à mata a abundância hídrica que fornece eletricidade para toda a ecovila. Bueno apresenta o mini gerador de energia.

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Hora de dormir. Há uma pia ao ar livre, bem em frente ao refeitório, onde todos escovam os dentes. A água que sai da torneira, a mesma que abastece todo o instituto, vem de uma nascente, no alto da montanha. É limpa e cristalina. No IPEMA, a água não é desperdiçada. Quando escorre cano abaixo, seja o da pia, cozinha ou chuveiro, ela segue para uma usina de tratamento, feita com plantas e bactérias (sistema anaeróbico). Depois de tratada, é reutilizada. Com 98% de pureza, seu fim agora é regar as plantas do viveiro, horta e pomar.
Cultura permanente – No IPEMA, a reutilização da água é lei. Plantas do viveiro, horta e pomar recebem o recurso tratado garantindo processos cíclicos e sustentáveis.

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Um novo dia

Às sete e meia da manhã de terça-feira, já estamos de pé. A noite de sono foi boa. Ouvimos vozes lá em baixo, no refeitório. É a cozinheira que começa a preparar o café da manhã.

O resto da turma chega apenas às oito e meia da manhã. A festa na noite anterior havia ido até de madrugada. Decidiram começar às atividades um pouco mais tarde. Em um dia típico, começariam às oito em ponto.

Banheiros secos

Marcelo Bueno acaba de chegar. São nove da manhã e todos preparam-se para trabalhar em uma outra casinha de pau-a-pique, que receberá um grupo de pessoas no feriadão para estudar bioconstruções. A construção e melhoria das moradias são tocadas em esquema de mutirão.

As paredes de barro e materiais reciclados, como janelas, telhados e vigas de sustentação, dão o tom à obra. Na sala, Bueno vai quebrando tijolos feitos de barro para cobrir o chão.

Enquanto trabalham, a natureza faz um chamado a um de nós: o Henrique.

“Vou ao banheiro. Aquele que tem descarga tradicional não está funcionando adequadamente. Decido arriscar no tal do banheiro seco. Espio com certa desconfiança o interior da salinha. Tudo parece bem, sem mau cheiro nem fumaça. Entro, sento e pronto. As fezes caem em uma caixa com serragem e minhocas. Ali, ficam armazenadas por um ano. No fim do processo, serão fertilizantes tão ricos quanto os das galinhas, um dos melhores que existe, de acordo com Bueno.”
Sem cheiro nem fumaça – fezes não são problemas na permacultura. Em vez de poluir, transformam-se em ricos fertilizantes nos banheiros secos.

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Despedida

É quase hora do almoço. A cozinheira prepara receitas vegetarianas, como arroz integral e legumes. Apesar do IPEMA contar com alguma produção de alimento, ainda é preciso comprar comida fora dali. Mas Bueno conta que dá preferência a pequenos produtores e vendas da região. Para ele, essa rede de relacionamento é fundamental para a sustentabilidade. “Procuramos nos abastecer com produtos que conhecemos a origem.

Além de mais saudáveis por serem orgânicos, também evitam a emissão de carbono, que seria produzido com o transporte de um ponto a outro”, explica.
Da mesa para a mesa – A meta é desperdício zero. O lixo orgânico vira adubo no minhocário. O resultado é adubo para a plantação local.

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Deixamos o IPEMA com a impressão de que não é tão difícil adotar práticas sustentáveis no dia-a-dia.

Claro que não é de esperar que toda a população de uma cidade mude-se para o campo e passe a praticar a permacultura. Mas algumas ações são possíveis mesmo nos grandes centros: como a criação de hortas comunitárias, implementação de sistemas solares de aquecimento de água e a já conhecida reciclagem.
Complicado mesmo é a mudança de hábitos de consumo.

Permacultura em essência

Entende-se que tanto o habitante quanto a sua moradia e também o meio ambiente em que estão inseridos fazem parte de um mesmo e único organismo vivo. Assim, a permacultura trata os homens e outros animais, as plantas, construções, infraestruturas (água, energia, comunicações) não apenas como elementos isolados, mas como sendo todos parte de um grande sistema intrinsecamente relacionado.

Para que a permacultura ocorra de fato, é necessário a observação e a combinação de vários aspectos: os ecossistemas, a sabedoria ancestral e também o conhecimento científico, aproveitando as qualidades inerentes das plantas e animais, combinando suas características naturais com os elementos que compõem a paisagem, e mais a infra-estrutura existente, para que se possa produzir assim um sistema que suporte o desenvolvimento da vida, tanto na cidade quanto no campo, utilizando o mínimo de recursos possíveis.

A Permacultura aproveita todos os recursos disponíveis, e faz uso da maior quantidade de funções possíveis de se aproveitar de cada elemento presente na composição natural do espaço. Mesmo os excedentes e dejetos produzidos por plantas, animais e atividades humanas são utilizados para beneficiar outras partes do sistema.

As plantações são organizadas de modo que se aproveite da melhor maneira possível toda a água e a luz disponíveis. Elas são arranjadas num padrão circular em forma de mandalas, com acesso facilitado por todos os lados. Os pomares são cobertos de leguminosas imitando o ambiente das florestas. Os galinheiros são rotativos, para que as galinhas sejam deslocadas para outro ponto após terem estercado a terra, que será usada para outro fim, enquanto que as galinhas preparam e adubam uma nova área. Enfim, essa técnica trata a vida como algo em permanente cultura, ou seja, em desenvolvimento sustentável.

terça-feira, 21 de julho de 2009

G8 precisa de plano climático mais ambicioso

Escrevi essa matéria depois de ter participado do Fórum Internacional de Seguros para Jornalisas, realizado pela seguradora alemã Allianz. Até agora nõ entendi o porquê do Internacional. O unico grinco presente era o presidete da companhia, Max Thiermann.

Como aponta o “G8 Climate Scorecads”, um estudo realizado pela WWF em parceria com a seguradora Allianz que mostra um “ranking comentado” das ações e planos dos países mais desenvolvidos no combate à mudança climática, a situação presente está acima do pior cenário previsto pelo IPCC e exige ações urgentes agora.

Apesar de alguns países já estarem adotando medidas para reverter o quadro, essas ações ainda não são suficientes para se levar o mundo a uma economia limpa. Para manter o aquecimento global em 2°C acima da média, é preciso que o nível das emissões de gases do efeito estufa comece a cair antes de 2020 e seja reduzido, até 2050, em 80% dos níveis registrados em 1990. “O G8 deve apresentar planos mais ambiciosos. A crise climática é muito mais séria e mais perigosa, porque não é possível alocar uma quantidade enorme de recursos financeiros para modificar o clima, como foi feito na economia. Isso depende de decisão e planejamento de longo prazo”, alerta Karen Suassuna, analista sênior do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil.

O documento aponta três vantagens de um eventual sucesso nas negociações climáticas em Copenhague, que ocorrerá em dezembro: a mudança climática não chegará a um nível catastrófico para o planeta; a implementação da energia sustentável ajudará a combater a crise econômica e, em algumas décadas, fornecerá energia abundante para todos; e o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono evitará o surgimento de milhões de refugiados do clima e possíveis custos com a adaptação aos impactos climáticos.

Nesse sentido, os países mais avançados são respectivamente a Alemanha e o Reino Unido. Suassuna diz que os alemães ficaram em primeiro lugar por contarem com um pacote ambicioso de cortes de emissões e também por já estarem reduzindo-a. Tanto, que as metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto já foram atingidas. O mesmo pode-se dizer dos britânicos. Mas o país ainda é muito dependente dos combustíveis fósseis.

Foram reprovados no teste o Canadá e a Rússia. O primeiro, além de não ter uma meta climática de longo prazo, lança cada vez mais gases de efeito estufa na atmosfera. A Rússia segue o mesmo caminho. Apesar de existirem metas de alto nível por parte do governo, elas ainda precisam ser implementadas. O Japão também pode se tornar uma pedra no sapato. “Além de não atingir as metas estabelecidas em Kyoto, os objetivos do país para 2020 colocam em risco os esforços em manter o aquecimento abaixo dos 2°C”, lamenta Suassuna.

Já os Estados Unidos, mesmo com uma qualificação ruim no “G8 Climate Scorecards” - estão apenas em sétimo lugar -, apresentam um novo e construtivo pacote de política climática. No passado recente, a questão foi completamente ignorada pelo governo Bush, mas entrou na agenda nacional com o projeto de lei Waxman-Markey, como é conhecido o Ato de Energia Limpa e Segurança, em tramitação pelo Congresso, que limita as emissões no país. O problema é que os EUA já estão 20% além do que deveriam, mesmo com avanços significativos na área.

“O grande problema que vemos aqui é a falta de vontade política”, ataca a analista da WWF. “Os países do G8 concordam que o mundo não deve aquecer mais do que 2°C, mas falta seriedade nas metas de redução. Na reunião em Átila (Itália), alguns membros (do G8) tentam culpar os países em desenvolvimento pelo progresso insuficiente. Mas são eles que têm a culpa histórica no aquecimento global”, completa.

O Brasil e o G5

A WWF espera também um comprometimento por parte do G5, grupo que reune Brasil, China, India, México e África do Sul, mas não nas mesmas proporções do G8. E esses países já estão tomando algumas ações nesse sentido.

Karen Suassuna destaca a África do Sul e o México, que apresentam planos concretos para diminuir 30% e 50%, respectivamente, de suas emissões até 2050. A China e a Índia também conam com metas para reduzir o consumo de energia por PIB, o que significaria menores emissões.

A principal contribuição do Brasil vem com a diminuição do desmatamento, a principal fonte emissora do país. Suassuna diz que o problema está no incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética brasileira e da falta de visão de longo prazo na condução de políticas climáticas pelo governo.

Antonio Penteado Mendonça, advogado especialista em planejamento regional para a ocupação do solo, ressaltou três pontos de vista: o pessimista, onde o mundo não faz sua lição de casa e o segue para o pior cenário possível; otimista, que vê a existência de pessoass agindo e se esforçando para alcançar as metas; e o terceiro, no qual o ser-humano é apenas uma força de transformação da natureza. “Se desaparecermos, não haverá a menor importância para o planeta a longo prazo”, afirma.

Para ele, enquanto existirem políticas ambientais para a “torcida ver”, como as presentes no país, não se alcançará meta nenhuma. “É preciso criar atividades que gerem renda para os mais necessitados e, também, que valorizem a floresta em pé”, diz.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

“Empresários devem pressionar mais por acordo climático”

Como primeiro post oficial dest blog, peguei a etrevista que fiz com o inglês Simon Zadek, fundador da AccountAbility - empresa que busca levar a sustentabilidade para dentro das corporações. O material foi originalmente publicado no Mercado Ético e logo foi replicado em diversos sites do país.

Quando foi entrevistado pelo Mercado Ético em junho, Simon Zadek, fundador da AccountAbility e membro do Conselho Consultivo Internacional do Instituto Ethos, não estava lá muito otimista. O fracasso nas negociações climáticas em Bonn, na Alemanha, segundo ele, mostrou que o mundo está longe de chegar a um acordo que impeça o superaquecimento do planeta. O lobby das companhias que lucram alto com a emissão de carbono e desmatamento continua muito forte.

Para Zadek, o momento é de contrabalançar essa força. “A comunidade empresarial brasileira deve pressionar os políticos para um forte acordo climático”, defende. “Se não conseguirmos isso, o resto se tornará irrelevante, pois não estaremos muito tempo por aí para contar a história”, alerta.

Mas ele diz que os empresários sozinhos não farão diferença nenhuma. Assim como não fariam as ações isoladas de bancos, políticos e consumidores. “A única forma de mudança é unir toda a ação do indivíduo em um contexto de coletividade”, defende.

Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Mercado Ético: Durante a Conferência Internacional Ethos 2009, Ricardo Henriques, assessor da Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), disse que sustentabilidade não é uma questão ambiental, mas, sim, econômica. Você concorda?


Simon Zadek: Sim, claro. Os desafios ambientais que enfrentamos agora se devem à forma como a economia e o comportamento dos indivíduos estão organizados. Acredito que o problema não está lá fora, mas em nossas mentes, na forma como imaginamos nós mesmos e nos relacionamos uns com os outros.

ME: Outra afirmação polêmica foi a de John Elkington, fundador da SustainAbility. Para ele, os consumidores não têm poder nenhum para mudar a situação presente.

SZ: Eu acho que o pensamento de que podemos mudar o mundo consumindo é errado. Mas eu acredito que a única forma de mudar é unindo todas as ações dos indivíduos em um contexto de coletividade. Não existe outra forma. Não acredito que a tecnologia sozinha ou apenas os políticos possam fazer a diferença. Nem a AccountAbility por si só pode mudar alguma coisa. Se pudesse, eu não estaria trabalhando aqui.

ME: Então, como fazer essa mudança?

SZ:
Nós desenvolvemos novas tecnologias, porque enxergamos oportunidades no mercado. Então, uma forma é colocando dinheiro na mesa. Outro ponto é a necessidade. Não poderemos mais lidar com a energia suja do carvão, petróleo ou gás. Os indivíduos também devem exigir um comportamento diferente daqueles que estão no poder.

ME: Empresas ligadas à energia limpa não têm tanta força quanto a indústria automobilística e os bancos, por exemplo. Esses setores foram os que mais tiveram ajuda dos governos quando a crise global estourou. Você vê um caminho para aumentar a influência das empresas verdes entre os políticos?


SZ: O que acontece é completamente errado. No Congresso dos Estados Unidos há 2.400 lobistas pagos para defender um acordo climático global. Do outro lado, há outros 2.300 lobistas contra isso. O ponto é se estamos fazendo lobby para as políticas públicas certas ou não. Temos de chegar a um acordo para que o mundo aqueça, no máximo, 3°C em 10 anos. Caso contrário, nada mais fará sentido, porque não estaremos aqui para contar a história.

ME: Hoje em dia, há um sentimento de que a crise não é tão grave quanto se pensava. Não corremos o risco de dar um passo atrás no que diz respeito à sustentabilidade?

SZ:
Exatamente. Se o PIB começar a subir novamente, vamos ver o aumento do consumo, do preço do petróleo etc. Nesse ponto, não acredito que exista alguma economia no mundo realmente preparada para avançar. Acho que há diversas economias que não querem mudanças e apenas um ou dois líderes políticos que querem avançar. Mas existe um número crescente de líderes políticos que entendem as oportunidades que estão surgindo. Nossa economia é basicamente fundamentada em altas emissões de carbono. Na verdade, sem as mudanças nos líderes, não vamos a lugar nenhum no entendimento dessa questão. Um exemplo: 75% da energia que o mundo consumirá em 2030 ainda não existem hoje. Então, nesse período, trilhões de dólares serão investidos em novas fontes de geração. Se não forçarmos uma agenda verde, teremos mais estações de energia a carvão e petróleo. Temos a oportunidade de tornar verdes 75% da geração de energia do mundo. Se não iniciarmos ações hoje, em cinco anos essa quantia cairá para 55%, porque outras 200 usinas de energia com alta emissão de carbono serão construídas. Então, temos uma incrível oportunidade diante de nós. Mas será que somos capazes de fazer isso? Tecnologicamente falando, sim, nós somos.

ME: Você acredita que o mercado de carbono pode contribuir para isso?

SZ: Preço alto para o carbono é uma parte essencial para alcançar a solução. Mas, para começo de conversa, essa não é a única. Existem outras mudanças também necessárias. Em segundo lugar, temos de assumir que entre hoje e 2020 os preços do carbono não serão altos o suficiente para fazer a diferença de que precisamos. Isso significa que nos próximos dez anos não teremos condições de depender dos preços do carbono. A razão para isso é que o mercado de carbono leva tempo para amadurecer e está concentrado nos Estados Unidos. Então, essa prática estará meio solta nos primeiros anos, por causa dos compromissos políticos que o governo do presidente Barak Obama terá de fazer. Ou seja, precisamos, sim, do mercado de carbono, mas não podemos depender somente disso. Precisamos de outras técnicas para fazer a diferença.

ME: Agora se discute muito a precificação de elementos que, antes, não tinham valor monetário, como, por exemplo, a floresta. Como e quanto cobrar pelos serviços naturais?

SZ:
Sabemos que o custo do carbono capturado pela floresta varia de 5 a 20 dólares por tonelada. Esse é o preço. É possível argumentar que o valor econômico seja mais alto, porque se pode incluir o valor da área florestada. O Brasil vem tomando a liderança em preservar esses valores e, até mesmo, em superá-los. Uma das propostas é coletar 10 dólares por tonelada, como faz o Fundo da Amazônia. Isso dá ao Brasil o dinheiro necessário para fazer o trabalho que precisa ser feito. Talvez chegue a sobrar alguma coisa. Mas isso ainda é muito mais barato do que reduzir as emissões das geradoras a carvão da China, o que deve custar 40 dólares por tonelada.

ME: Os bancos foram apontados como os grandes vilões da crise econômica mundial. Qual será o papel dessas instituições em uma nova economia global?

SZ:
É preciso acabar com a mentalidade de lucro de curto prazo e criar uma estratégia de longo termo. É preciso uma maior transparência das instituições, principalmente em instrumentos financeiros inovadores. E também mais responsabilidade da comunidade financeira. Nesse sentido, acho que os bancos podem ter um papel fundamental na economia do amanhã. Mas sozinhos, como já disse, não farão diferença.

ME: E que papel você vê para o Brasil?

SZ: No curto prazo, o Brasil tem de encorajar um forte acordo climático. Se conseguirmos atingir um acordo razoável em Copenhague, o resto é irrelevante. No momento, o Brasil é muito resistente a um acordo. Mas é preciso definir qual é o papel da comunidade empresarial em mudar essa decisão política. Vemos esse grupo fazendo um forte lobby para alcançar um acordo em dezembro ou vemos um grupo de empresas e indústrias que estão lucrando com baixos preços na emissão do carbono, desflorestamento e, portanto, pressionando o governo para não chegar a um acordo? Eu gostaria que a comunidade empresarial brasileira tomasse o primeiro caminho. Sem isso, tudo é irrelevante.

ME: Mas qual é o motivo de lutar por um mundo melhor? O planeta não estaria em melhores condições sem os humanos?


SZ:
Acho que o mundo vai ficar bem, não importa o que aconteça. Mas eu sou humano e tenho uma filha de 4 anos. Em primeiro lugar, quero que ela viva. Além disso, quero que ela tenha a segurança de uma vida decente. No momento, nós não estamos dando a ela essa chance.

A palavra é... SUSTENTABILIDADE

Como muitos de vocês sabem, estou envolvido há algum tempo com assuntos ligados à sustentabilidade. Tanto, que fui parar na redação do Mercado Ético, um dos maiores sites brasileiros focados nesse assunto.

Aqui, você poderá conferir os trabalhos que faço para o Mercado Ético, outros independentes, além de algumas reflexões sobre o tema.

Espero vê-los sempre por aqui e conto com a ajuda de vocês para espalhar a voz.

Abraços e beijos.